Reconhecido pelo potencial econômico, o bambu pode ser utilizado nas indústrias de alimentos, cosméticos e construção civil
Há dois lugares no mundo onde não existem bambus nativos: na Europa e na Antártida. Em todos os outros continentes somam-se 1.300 espécies, a maioria nos países asiáticos - China, Japão, Tailândia, Indonésia, Malásia, Myamar – onde também o uso desse material é milenar.
Índia, Bangladesh, países das Américas Central e do Sul, África e Austrália têm espécies nativas de bambu.
O bambu pode substituir ou complementar outras matérias primas, como fibra, carvão vegetal e madeira, e é matéria-prima para revestimentos e estruturas na construção civil e para movelaria e artesanato. Do ponto de vista ambiental, a planta promove enriquecimento químico e físico do solo e pode ser usada para recuperação de áreas degradadas.
Vantagens
O bambu se adapta às mais diversas condições ambientais, não exige grandes cuidados com a manutenção e é de fácil manejo, além de ter custo reduzido de implantação, característica que atrai investidores.
Quando adequadamente manejado, tem elevada produção de biomassa em curto período de tempo, em comparação a outras espécies usadas na silvicultura, como o pinus e eucalipto, por exemplo.
Não possui a necessidade de replantio após as colheitas, já que novos colmos são produzidos anualmente, por um período que varia de acordo com a espécie. Outra vantagem é a boa qualidade de suas fibras, que podem ser usadas na indústria de papel e celulose, na formulação de produtos que exigem maior resistência ao rasgo e capacidade de carga, como os sacos para cimento.
O bambu cresce rápido e por isso mesmo sequestra mais gás carbônico do ar do que outras plantas. “Há registros de taxas de crescimento da ordem de 10 cm/dia a 100 cm/dia em condições ambientais favoráveis. Em seis meses de crescimento, um colmo de um bambu gigante pode atingir a altura de 20m a 25m”, destaca Luiz Barbieri.
Muitos bambus são conhecidos por seus efeitos biológicos – são antioxidantes, antirradicais livres, antienvelhecimento, antibacterianos – e também podem ser usados na prevenção de doenças cardiovasculares, segundo Maria Tereza Grombone Guaratini, pesquisadora do Instituto de Botânica de São Paulo.
O destino industrial da planta é a indústria de papel e celulose, bebidas e cosméticos. Existem pesquisas sobre a aplicação na área de nanotecnologia – uma delas seria a obtenção de nanopartículas de carvão ativado, usadas para a fabricação de filtros de alta eficiência.
O bambu ainda pode ser utilizado como fonte de alimentação, por meio de brotos e farinhas, conforme pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.
Cenário do Bambu
No Brasil, o bambu é encontrado em maior concentração na Amazônia. Existem cerca de 260 espécies no país, distribuídas em 35 gêneros. Entre as principais espécies estão a Bambusa vulgaris, Bambusa vulgaris variedade vittata, Bambusa tuldoides, Dendrocalamus asper, Guadua angustifolia, Phyllostachys aurea (cana-da-índia ou vara-de-pescar) e Phyllostachys pubescens (“Mossô”).
O engenheiro agrícola Antonio Ludovico Beraldo, professor titular aposentado da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, conta que o bambu chegou ao país com os colonizadores portugueses, trazidos de suas possessões na Ásia (Goa e Cantão). Segundo ele, as primeiras espécies pertenciam aos gêneros Bambusa e Dendrocalamus, posteriormente, espécies de bambus do gênero Phyllostachys foram trazidas pelos imigrantes japoneses.
“No entanto, o Brasil apresenta uma grande quantidade de espécies de bambus nativos, que ocorrem em ambiente de mata, sendo ainda praticamente desconhecidos pela população”, afirma Antonio, que é co-autor dos livros “Bambu de Corpo e Alma” e “Bambu: Características e Aplicações em Engenharia e na Arquitetura”.
É no Estado do Acre que está a maior reserva natural em espécies nativas de bambu no mundo, com 4,5 milhões de hectares, o que corresponde a 20,4% do total dos 22 milhões de hectares plantados em todo o planeta, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A floresta é constituída principalmente pela espécie gigante Guadua aff chaparensis e em menor escala, pelo Guadua sarcocarpa. “Eu costumo dizer que, se a colonização do Brasil tivesse começado pelo Acre, certamente, hoje, seríamos, juntamente com a China, a Índia e o Japão, uma dessas potências do bambu industrializado”, afirma o engenheiro agrônomo José Luiz Barbieri.
A floresta vem sendo estudada por várias instituições de pesquisa. A Embrapa Acre desenvolveu, entre 2009 a 2016, pesquisas com bambu nativo do gênero Guadua.
“Os resultados estão sendo utilizados para a conservação dos recursos genéticos e para o manejo sustentável das populações nativas de bambu”, detalha o engenheiro agrônomo Elias Melo de Miranda, pesquisador da Embrapa Acre.
Em São Paulo
No Estado de São Paulo, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) mantém, na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento (UPD) de Tatuí, o Banco Ativo de Germoplasma de Bambu. São 70 espécies, distribuídas em uma área de aproximadamente dois hectares. É considerada a maior coleção existente na América Latina.
O engenheiro agrônomo Marcelo Ticelli, pesquisador científico e chefe da UPD Tatuí, conta que a implantação teve início por volta do ano de 1956 até 1963 e as espécies introduzidas foram trazidas dos Estados Unidos, Peru, Porto Rico, El Salvador, Portugal, Trinidad.
Em 2014, novas espécies trazidas da China foram inseridas na coleção, formada por gêneros de bambus exóticos, como o Dendrocalamus, Phyllostachys, Bambusa, Guadua, Thyrsostachys, Gigantochloa, Pseudosasa, Ochlandra e também diversas espécies raras, como a Ochlandra travancorica, Thirsostachys siamenses, Thirsostachys olliveri, Phyllostachys makinoi, Bambusa bambos e Dendrocalamus sikkimensis.
De acordo com Antonio Beraldo, o bambu é plantado principalmente por pequenos produtores.
Economia
Comercialmente, o bambu chama a atenção há pouco tempo. Em 2011, foi aprovada a Lei do Bambu (Lei nº 12.484/2011), que instituiu a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu (PNMCB), com o objetivo de incentivar o manejo sustentável e o cultivo das espécies nativas e entre os agricultores familiares.
Em 2017, o país foi incorporado como o 43º país membro da Rede Internacional de Bambu e Rattan (INBAR), entidade intergovernamental que reúne os países protagonistas no mercado mundial do bambu e movimentam cerca de 60 bilhões de dólares ao ano.
Segundo Elias, pesquisador da Embrapa Acre, a criação da Rede Brasileira do Bambu (RBB), de perfil acadêmico, e da Associação Brasileira dos Produtores de Bambu (Aprobambu), que busca incentivar as pesquisas e o empreendedorismo, possibilitou a divulgação e promoção do bambu como alternativa econômica.
“Trata-se de um recurso rapidamente renovável que pode ser fonte contínua de matéria-prima para diferentes mercados e uma opção de negócio sustentável”, fala o pesquisador.
Desvantagens
Diversas espécies de bambus lenhosos raramente produzem sementes e, quando isso ocorre, as sementes são de baixa viabilidade germinativa, tornando a obtenção de mudas para plantações em larga escala um fator limitante.
Para a produção de mudas para plantações comerciais é recomendado o uso da propagação in vitro ou micropropagação. “A produção de mudas em pequena escala é um processo lento e pode ser feito por propagação vegetativa convencional, ou seja, por meio do enraizamento de segmentos de colmos com nós ou de ramos secundários. Após o processo de enraizamento é possível multiplicar as mudas pelo desmembramento dos perfilhos que são emitidos de cada muda original”, explica Elias.
O engenheiro agrônomo alerta que é necessário ter cuidado com espécies de hábito de crescimento do tipo alastrante por serem plantas muito agressivas na ocupação espacial do terreno, podendo se transformar em invasoras. “A canada-índia ou bambu mirim (P. aurea), por exemplo, deve ser manejada para evitar que se alastre para locais indesejados, pois a dificuldade e o custo para a erradicação podem ser elevados”.
A vulnerabilidade ao ataque de insetos xilófagos e fungos, devido ao seu elevado teor de amido, também é uma desvantagem. “Entretanto, o tratamento químico dos colmos por imersão praticamente elimina este problema”, ressalta o agrônomo
José Luiz.
Escola de bambu - Inspira investimento
Agrônomo ribeirão-pretano frequentou escola feita com bambus em 1950 e decidiu investir na planta
O engenheiro agrônomo José Luiz Barbieri é um admirador de bambu. Nos anos de 1980, ao adquirir algumas terras em Uberaba (MG), iniciou o plantio com a espécie Dendrocalamus asper.
Foi a memória afeita da infância no “Jardim da Infância Machado de Assis”, que ele frequentou nos anos de 1950, que incentivou o investimento. A escola, que funcionava dentro do Parque Municipal do Morro de São Bento, em Ribeirão Preto, era totalmente construída com bambus gigantes, da espécie Dendrocalamus asper, inclusive o telhado.
Hoje, José Luiz possui um banco de germoplasma de bambu, com 11 das 20 espécies mais importantes do mundo, voltado, principalmente, para a construção, arquitetura, decoração, movelaria e artesanato.
Bambu: alternativa construtiva
Planta é utilizada em sistemas construtivos e pode substituir o aço no reforço de estruturas de concreto
O uso do bambu na construção civil movimenta US$ 30 bilhões na China, que responde por metade do mercado mundial, segundo informações do estudo “Economia do Bambu no Brasil: Tecnologia e Inovação na Cadeia Produtiva – Perspectivas e Desafios” realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Fora da China, em países da América Latina – Colômbia, Costa Rica e Equador, por exemplo – existem projetos bem-sucedidos de habitações populares com fins de interesse social e até de grandes edificações, como pavilhões de exposições, hotéis e edifícios verticais.
O mercado, segundo o engenheiro civil Vitor Marçal, tem sido atraído pela versatilidade dessa matéria-prima – leve, resistente e de fácil manuseio – e pela boa imagem pública que essas construções proporcionam. Vitor é secretário executivo da Associação Brasileira de Produtores de Bambu (Aprobambu) e acrescenta que, além dessas características, a planta também é suficientemente resistente para manter as características de estruturas no decorrer do tempo de uso.
“É um elemento construtivo que pode agregar bastante ao setor da construção civil. A beleza estética e o grande apelo ecológico são características interessantes para seu uso, diminuindo consideravelmente o custo energético para produção desse material, seu beneficiamento, aproveitamento e acabamento final”, destaca o engenheiro.
De acordo com a Maria Tereza Grombone Guaratini, pesquisadora do Instituto de Botânica de São Paulo, bambus são considerados um dos mais importantes e valiosos recursos florestais não madeireiros. “Os bambus lenhosos possuem propriedades físicas e mecânicas que os tornam adequados para serem utilizados no desenvolvimento de produtos normalmente produzidos com madeira nativa ou de reflorestamento”, destaca.
Aplicação
O bambu pode ser aproveitado nos mais diversos segmentos da construção civil, como escoras, proteção de obra, formas, elementos estruturais (colunas, vigas, caibros) e laminados de bambu, que podem ser utilizados tanto como elementos estruturais (pisos, revestimentos e painéis estruturais) ou de vedação.
Pode ser cortado em ripas, dando mais flexibilidade ao material e permitindo seu uso em sistemas construtivos arqueados e estruturas em casca. As mesmas ripas podem ser industrializadas, sendo planificadas nas quatro faces e coladas umas as outras em diferentes posições, produzindo assim “madeira” laminada colada de bambu, que possui resistência e durabilidade tão grande quanto madeiras de lei. “O laminado de bambu pode ser empregado em diversos setores da construção civil, desde formas, revestimentos, pisos, coberturas (telhas) e elementos estruturais”, afirma Vitor.
O bambu substitui também grandes tubulações que tradicionalmente são produzidas com substâncias cimentícias, metal ou plásticos, sendo cerca de 50% mais leves e 30% mais baratas, proporcionando redução de custos, logística e montagem, permitindo menor consumo, menor tempo de montagem, equipamentos mais leves e menos mão de obra.
Já os colmos, desde que colhidos no tempo ideal, tratados e secos, podem ser utilizados como escoras, formas, proteção de obra, e principalmente como colunas, vigas e outros elementos estruturais em diversos sistemas construtivos utilizados atualmente.
Diversas espécies de bambu apresentam características indicadas para serem utilizadas na construção civil. Gêneros de bambu como Phyllostachys, Bambusa, Dendrocalamus e Guadua são os mais utilizados na construção civil brasileira. “Esses bambus apresentam diferentes diâmetros que podem variar de um centímetro, no gênero Phyllostachys, até 25 centímetros no gênero Dendrocalamus”, informa Vitor.
Dependendo das características de cada um podem ser utilizados em funções estruturais. Bambus mais finos, por exemplo, são ideais para vedações e acabamentos. À medida que os diâmetros aumentam podem ser aproveitados como caibros e peças diagonais de travamento superior. Bambus com maior diâmetro ou feixes de bambus de menor diâmetro servem como vigas e colunas.
“Independente do tipo de bambu a ser utilizado é imprescindível que estejam tratados e secos, possibilitando o desenvolvimento de estruturas que trabalhem menos após a execução da obra e garantindo a vida útil adequada contra agentes patológicos, como fungos e insetos”, alerta o engenheiro.
Sistemas construtivos
Ainda de acordo com o engenheiro Vitor, a falta de conhecimento sobre o material faz com que um número maior de pessoas utilize o bambu de forma incorreta, sem tratamentos adequados e com técnicas ineficientes, fazendo com que algumas estruturas não tenham todo o potencial de utilização desse material e terminem por diminuir sua importância e até negativar a opinião dos consumidores por este tipo de produto.
“É necessário que o bambu seja utilizado da forma correta, favorecendo assim o desenvolvimento de sistemas construtivos eficientes e resistentes, mostrando todo o potencial de aproveitamento estrutural do bambu”, salienta.
A maioria dos sistemas construtivos permite a utilização do bambu. Podem ser desenvolvidas estruturas feitas totalmente em bambu ou nas quais o bambu é utilizado junto com o concreto armado, perfis metálicos, madeira, dentre outros.
Vitor ressalta que o projeto deve ser realizado por profissional capacitado.
“Quando diferentes sistemas construtivos são usados em um mesmo projeto é importante que esse profissional tenha conhecimento de ambos e principalmente entenda como utilizá-los em conjunto de forma eficiente e resistente”.
Obras executadas somente com bambu estrutural também demandam conhecimento sobre uniões e conexões entre peças de bambu. “O uso de colmos de bambu, juntamente com elementos de concreto armado, madeira e perfis metálicos demandam um entendimento global e local dos esforços atuantes para o projeto e execução dos sistemas conectivos e interação entre os diferentes elementos estruturais”, informa.
Os tipos de vedação e instalações também precisam de atenção por parte do projetista e construtor. Alguns sistemas estruturais dificultam o uso de vedações convencionais, como tijolo cerâmico, sendo necessário maior entendimento de como essas vedações e instalações serão desenvolvidas no decorrer da obra.
Feito com bambu
O bambu é protagonista de obras de arte da arquitetura sul-americana
O colombiano Simón Vélez tornou-se um dos arquitetos mais importantes do mundo pelo uso inovador do bambu na construção. Simón desenvolveu novos métodos e sistemas de apoio estrutural, transformando o material em um recurso moderno e flexível, que pode ser usado em todos os tipos de edifícios.
Com projetos espalhados por 11 países, dentre eles, a Igreja Nuestra Señora de La Pobreza, em Pereira, Colômbia, o Museu Nômade Zócalo, na Cidade do México, e ZERI Pavilhão para a Expo 2000, em Hannover, na Alemanha.
Vélez também projetou o Crosswaters Ecolodge, um destino de ecoturismo nas florestas da Reserva de Montanha Nankun Shan, na província de Guangdong, na China, considerado o maior projeto comercial para o uso de bambu.
Brasil não tem norma técnica para uso do bambu
Segundo a ABNT, proposta está em fase de elaboração e será aberta à consulta pública
Normas internacionais para o uso estrutural do bambu existem desde 1973 e vêm sendo melhoradas e adequadas à realidade de cada país. As normas internacionais ISO 22156 e ISO 22157 norteiam várias outras de países de todo o mundo, principalmente sul-americanos, como Colômbia, Peru e Equador.
No Brasil, o bambu ainda não é regulamentado, porém já é amplamente utilizado, tanto em estruturas rurais quanto em projetos de maior complexidade estrutural. “Como as normas nacionais ainda não estão vigentes os responsáveis técnicos precisam se embasar em normas internacionais e experiência prática sobre o material”, explica Vitor Marçal, secretário executivo da Associação Brasileira de Produtores de Bambu (Aprobambu).
Atualmente, a Comissão de Estudo de Estruturas de Bambu (CE002:126.012) atua junto à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), no âmbito do Comitê Brasileiro da Construção Civil (ABNT/ CB-002), para definir parâmetros de aproveitamento estrutural do bambu no país.
Duas normas técnicas estão em desenvolvimento na ABNT: a Norma Brasileira 16828-1 (Estruturas de Bambu - Parte 1: Projeto) e a NBR 16828-2 (Estruturas de Bambu – Parte 2: Determinação das propriedades físicas e mecânicas).
A primeira define os requisitos básicos exigidos para projeto de estruturas feitas com colmos de bambu e a segunda estabelece métodos de ensaio para avaliar as propriedades físicas e mecânicas do bambu. Os resultados dos ensaios poderão ser usados para fins de controle de qualidade das construções de bambu.
O documento foi redigido por profissionais, pesquisadores e bambuzeiros de vários estados brasileiros, nos últimos dois anos, em reuniões bimestrais em diferentes estados brasileiros. Segundo a assessoria de imprensa da ABNT, os documentos estão em fase de editoração e ainda não foram submetidos à Consulta Nacional.
“Torcemos para que em breve essa norma já esteja disponível para aproveitamento nacional orientando e definindo conceitos básicos de qualidade do bambu, cálculo estrutural, projeto, execução e manutenção de estruturas desenvolvidas com bambu no Brasil”, salienta Vitor, que é também secretário da Comissão de Estruturas de Bambu.
Resíduo é gerado durante o processo de fabricação do etanol. Na safra de 2018/2019 foram produzidos 397 bilhões de litros de vinhaça no Brasil
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O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e o segundo maior produtor e exportador de etanol, atrás apenas dos Estados Unidos. Na safra de 2018/2019 a produção foi de 620,4 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, sendo 33,14 bilhões de litros de etanol, 21,7% maior na comparação com 2017/18, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Para cada litro de etanol produzido pela indústria são gerados de 10 a 15 litros de vinhaça, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).
A vinhaça, que no passado era descartada diretamente em rios e em mananciais provocando prejuízos ambientais, hoje é opção para adubar o solo em razão da alta concentração de potássio, fundamental no processo de fotossíntese, da absorção de nutrientes em diversas reações enzímicas no interior da planta, reduzindo o uso de fertilizantes químicos. A vinhaça é também fonte de energia por meio do processamento do biogás.
Aplicação da vinhaça
“A vinhaça elevou patamar de produtividade de muitos solos, quer pelo aporte de matéria orgânica como pelos nutrientes contidos”, explica a engenheira agrônoma Raffaella Rossetto, pesquisadora da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA)/ Programa Cana do Instituto Agronômico (IAC).
A utilização de vinhaça como fertilizante agrícola teve início na década de 1970 e se intensificou no final dos anos de 1990, principalmente devido ao aumento dos preços dos fertilizantes químicos. É aplicada nos canaviais na forma líquida, por meio da fertirrigação, técnica de adubação que utiliza a água de irrigação para levar nutrientes ao solo. As usinas já aplicam 100% da vinhaça produzida no próprio cultivo da cana.
Desde a década de 1980, o resíduo vem sendo utilizado em área total, em irrigação nas soqueiras, com o uso de canhões aspersores que lançam por uma moto-bomba a vinhaça succionada diretamente do canal principal.
Há também a tendência de utilização da vinhaça aplicada na linha da cana. Em geral, essa prática tem ocorrido quando a vinhaça é mais concentrada em potássio. “A aplicação na linha é mais rápida e eficiente, com ganhos econômicos. Ambientalmente apresenta vantagens por não acarretar problemas de vazamentos e encharcamentos no solo”, destaca Raffaella.
A quantidade de vinhaça aplicada no canavial é definida com base no teor de potássio e na análise química do solo, informações que compõem o Plano de Aplicação de Vinhaça (PAV). Essa documentação, conforme explica o engenheiro agrônomo Danilo Alfenas Voltarel, é protocolada na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
“Por meio desta análise, juntamente com o PAV, é estabelecida a lâmina ideal de aplicação de vinhaça e o volume de determinada calda ou solução rica nos demais nutrientes importantes para o desenvolvimento da cultura. Esta calda ou solução deve ser homogênea, incorporada à vinhaça também de forma homogênea e aplicada na dose programada através das necessidades culturais da área”.
No estado de São Paulo, a NormaTécnica P4.231/2005, da CETESB, define o cálculo para determinar a quantidade de vinhaça a ser aplicada no solo, como deve ser o monitoramento, além de dar disposições gerais para armazenamento e aplicação da vinhaça.
“Em geral, volumes de 150m3/ha são doses médias comuns. Para a vinhaça aplicada na linha da cana, o volume de cerca de 40a50 m3/ha permite a aplicação da dose de potássio suficiente para o manejo da soqueira da cana”, esclarece Raffaella.
Há vantagens e desvantagens financeiras no uso da vinhaça como fertilizante: o produtor economiza na compra do potássio, que na maioria das vezes é importado, mas tem de investir mais na aplicação – o uso de aspersores e aplicação da vinhaça em área total gera um gasto superior à aplicação de cloreto de potássio.
No modelo de aplicação na linha da cana, como fertilização líquida, deixa o processo mais econômico. Neste caso, os custos são semelhantes aos da aplicação de cloreto de potássio sobre a palha, considerando uma mesma distância.
Produtividade x problemas ambientais
O efeito positivo da vinhaça na produtividade da cana ocorre em praticamente todas as variedades, nas mais diversas condições de solo e clima. Em geral, a dose utilizada prevê a quantidade sufi ciente de fornecimento de potássio que a planta precisa durante o ciclo de crescimento.
“Evidentemente, a vinhaça não é um fertilizante completo, que supre todas as necessidades da cana, de forma que muitos pesquisadores se dedicaram a estudar como, quando e com o que complementar a vinhaça. De certa forma, para as soqueiras é necessária complementação da vinhaça com nitrogênio. É preciso também estar atento aos desequilíbrios entre potássio e magnésio, que podem gerar problemas no acúmulo de sacarose na cana”, alerta Raffaella.
Altas doses de vinhaça ou o uso de vinhaça com alto teor de potássio podem acarretar atrasos na maturação da planta, redução do teor de sacarose e de fibras e acúmulo de cinzas no caldo, prejudicando a matéria prima, principalmente para a produção de açúcar.
Em caso de armazenamento ou aplicação incorreta, a vinhaça também pode atingir corpos de água e, em função de seu alto teor de matéria orgânica, reduzir a quantidade de oxigênio na água causando a morte de peixes e tornando a água imprópria para o consumo, alerta Antonio Luiz Lima de Queiroz, assistente executivo da presidência da CETESB.
Raffaella explica que o risco de poluição do lençol freático ocorre se a vinhaça for aplicada em solos muito rasos (menos de 3 m de profundidade), arenosos, onde a drenagem é rápida ou pode ocorrer escorrimento superficial ou erosão.
No estado de São Paulo, a vinhaça é aplicada em solos argilosos, ou de textura média, mais profundos. “Nesses solos, quando se utiliza a dose recomendada pela portaria da CETESB, não existe risco de poluição de lençol freático. Cuidados devem ser tomados em solos arenosos próximos a córregos, rios, ou corpos d´água, e solos com lençol freático superficial”.
O engenheiro agrônomo Danilo enfatiza que quanto maior a disponibilidade de áreas factíveis e aplicadas de forma racional, maiores serão os ganhos. A vinhaça, segundo ele, contribui com os atributos químicos do solo, resultando em melhor desenvolvimento da cultura, economia de insumos, óleo diesel, mão de obra e menor pisoteio na lavoura. “Vinhaça é um fertilizante agrícola e deve ser tratado como tal”, ressalta.
Vinhaça = energia
O aproveitamento de resíduos da cana-de-açúcar (vinhaça, torta de filtro e bagaço da palha) na produção de biogás começou a ser estudado pela indústria sucroalcooleira na década de 1980. Na época, porém, os projetos não avançaram por serem economicamente inviáveis.
Novas tecnologias – 100% nacional – desenvolvidas nos últimos 10 anos possibilitaram a geração de energia utilizando a vinhaça como matéria- -prima. Hoje, o Brasil já conta com seis plantas de produção de biogás a partir de resíduos da cana-de-açúcar.
A primeira foi instalada em 2012, no município de Tamboara, no Paraná, pela Cooperativa Agrícola Regional de Produtores de Cana (Coopcana), formada por 127 produtores rurais, em parceria com a empresa Geo Energética, especializada na produção de biogás a partir dos resíduos da indústria sucroalcooleira. A usina tem capacidade para gerar 4 megawatts, o suficiente para abastecer uma cidade de 10 mil habitantes.
Há outros projetos em desenvolvimento com previsão para entrar em operação em 2020: a Usina Bonfim, em Guariba (SP), da empresa Raízen, e a Usina Narandiba, em Presidente Prudente (SP), do Grupo Cocal. Esta segunda, terá capacidade de gerar 67 mil Nm3 de biometano por dia, que serão inseridos na rede de distribuição da empresa GasBrasiliano, sócia no projeto.
O biogás produzido nestas usinas poderá ser utilizado em substituição ao diesel no processamento da cana - 1 tonelada precisa de 4 litros de diesel - e no abastecimento da própria frota.
Em Mato Grosso, existe ainda a planta, já em escala comercial, da Usina Adecoagro, desenvolvido pela Methanum Engenharia Ambiental, que utiliza o biogás para geração de energia térmica.
Além de resíduos do setor sucroenergético, a indústria do biogás trabalha com resíduos da agricultura e saneamento. Segundo a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), o setor cresceu 40% ao ano, entre 2010 e 2018. A produção está concentrada no Sul e no Sudeste.
Atualmente, são 419 plantas nas mais variadas escalas. O setor dobrou o número de plantas, em especial devido ao crescimento de pequenos produtores, que correspondem a 60% do número de plantas de biogás no país.
A produção de biogás a partir dos resíduos da indústria sucroenergética ainda é pequena, segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029. No entanto, é a que apresenta o maior potencial - três vezes maior que o da agricultura e oito vezes maior que o do saneamento.
O PDE é um documento anualmente preparado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com o apoio e seguindo as diretrizes da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energéw co (SPE/MME) e da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombusutíveis (SPG/MME), e indica as perspectivas da expansão do setor de energia para os próximos dez anos.
As projeções da EPE para 2029 são de 852 milhões de cana processada, o que representa um potencial de produção de biogás de 46 milhões de Nm3/dia, considerando apenas o aproveitamento da vinhaça e da torta de filtro como resíduos.
“Além de ser uma solução para resolver um passivo ambiental, a produção pode influir diretamente na balança comercial. O Brasil importa 22 milhões de Nm3/dia de gás da Bolívia, ou seja, o potencial de geração de biogás do setor sucroenergético (46 milhões Nm3/dia) cobriria em duas vezes o volume importado. O aproveitamento da vinhaça como substrato do biometano reduz em mais de 90% as emissões de gases do efeito estufa liberados pelo resíduo quando descartado no ambiente”, destaca Alessandro Sanches, gerente- -executivo da Abiogás.
Tecnologia e planejamento fortaleceram a cultura do amendoim, que dobrou a produção nos últimos anos
Leia mais: https://aeaarp.org.br/wp-content/uploads/2022/08/20191016094011painel-294-site.pdf - página 12
Há 45 anos a família de Danilo César Penariol se dedica ao cultivo do amendoim na fazenda Pau D´Alho, em Jaboticabal (SP). É a terceira geração da família à frente do negócio, que começou em 1974 com os avós. Eles são um dos primeiros produtores de amendoim da região e mantêm 650 hectares de plantação, entre terras próprias e arrendadas.
A cultura comercial do amendoim no Brasil é relativamente recente. Começou nos anos de 1950, alcançou bons resultados até a década de 1970 e sucumbiu a outras culturas, como a soja e a cana-de açúcar, que receberam incentivos e investimentos em tecnologia, aumentando as áreas plantadas.
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) incentivou a cultura da cana-de-açúcar a partir de 1975, quando surgiu o Programa. Os proprietários de terras passaram a arrendar as áreas para a promissora indústria canavieira, que exigia técnica para o manejo do solo. Uma das possibilidades dessa técnica é a alternância da cultura da cana com o amendoim, que, apesar de tecnologicamente e comercialmente enfraquecido, não sai de cena.
O amendoim é uma leguminosa originária da América do Sul.
Segundo o engenheiro agrícola Rouverson Pereira da Silva, docente do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal (SP), o amendoim proporciona controle biológico da cultura da cana, reduzindo a infestação por pragas, e contribui com a manutenção da fertilidade do solo por meio da fixação de nitrogênio.
A rotação de cultura foi oportuna para que produtores mantivessem suas lavouras de amendoim. “É a principal cultura de rotação com a cana-de-açúcar no estado de São Paulo, cultivado nas áreas de renovação de canavial”, explica o agrônomo José Antônio Rossato Júnior, presidente da Cooperativa Agroindustrial (Coplana). O amendoim impulsiona outra indústria, a de alimentos, aumentando as possibilidades de ganho dos produtores.
A mecanização dessa lavoura aconteceu a partir dos anos de 1980 e, segundo a Coplana, foi a estratégia para a cultura prosperar. A tecnologia foi importada da Argentina e Estados Unidos e impactou em toda cadeia produtiva: as máquinas exigiam novas variedades – do tatu, ou ereto, para o runner, que é rasteiro. Pesquisadores da Embrapa e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) chegaram a um cultivar mais produtivo, nutritivo e resistente. A introdução de secadoras no armazenamento evita o surgimento de fungos e melhora a produtividade e a rentabilidade.
“A revolução da mecanização e a secagem do amendoim deram condições para que a cultura crescesse. De 20 anos para cá houve um boom na produção”, conta o presidente da Coplana. Com ganhos em produtividade e em qualidade, o amendoim passou a atender a indústria alimentícia nacional, substituindo importações da Argentina. No ano 2000 começou a ser exportado.
Renata Martins Sampaio, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA), explica que o crescimento da cultura nos mercados interno e externo se deve ao aprimoramento dos processos para melhorar a qualidade do produto, atendendo às exigências e demandas do mercado.
A partir do início dos anos 2000, novas tecnologias de produção e beneficiamento passaram a ser alinhadas às novas práticas sanitárias e de armazenamento. Além disso, o amendoim tornou-se pauta de debates e fóruns com vistas ao fortalecimento e aperfeiçoamento da cadeia.
“Novos arranjos técnicos, organizacionais e institucionais abriram espaço para o reposicionamento do amendoim brasileiro no mercado internacional e também ofereceu condições de planejamento e inserção no mercado interno do produto in natura e industrializado”, explica Renata.
Produção na região
O Brasil ocupa o 13º lugar como produtor de amendoim no mundo. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que em 2012 o país produziu 256.600 toneladas do amendoim em casca. A safra 2017/2018 apresentou um volume bem mais significativo: 501.800 toneladas e, deste total, 477.700 mil foram produzidas no estado de São Paulo, que concentrada 90% da produção.
Em 2018, a cultura registrou aumento de 13% no seu valor da produção, totalizando R$ 871 milhões. O grão ocupa a 15º posição no ranking do Valor da Produção Agropecuária do estado de São Paulo, composto por 54 produtos, com a cana-de-açúcar na primeira posição. De acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), no período de 2007 a 2017, a produção paulista de amendoim cresceu em média 12% ao ano.
A região da Alta Mogiana (Ribeirão Preto, Jaboticabal, Sertãozinho, Dumont) e Alta Paulista (Tupã, Marília) são as maiores produtoras de amendoim do estado, representando parte importante do PIB regional.
Jaboticabal respondeu por 23% da produção de amendoim no Brasil na safra de 2018, com 119.520 toneladas. O município é o segundo maior exportador da leguminosa do país. A posição lhe rendeu o título de Capital Estadual do Amendoim, outorgado por meio da Lei Estadual n° 16.640, de 05 de janeiro de 2018. Mais de 50% do faturamento da Coplana, maior processadora do grão no país, tem origem no amendoim. Na safra de 2018, a cooperativa produziu 89.520 toneladas de amendoim em casca, com faturamento de R$ 499.495 milhões. A cooperativa exportou 33.921 toneladas, 22% do total das exportações do Brasil, que totalizou 153.317 toneladas em 2018.
A cooperativa recebe o grão do produtor, armazena, beneficia, processa e exporta, especialmente para o mercado europeu.
Cadeia produtiva
Os grãos de amendoim são utilizados pela indústria alimentícia como matéria prima na fabricação de doces, na massa dos chocolates, aperitivos e óleo.
Segundo dados do Estudo Tendências, encomendado pela Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (ABICAB) o setor conta com cerca de 400 empresas com relevância no mercado. As líderes respondem por 25% a 30% da produção do setor, enquanto as empresas de médio porte respondem por 30 a 35%. Ou seja, um volume relevante da produção, em torno de 40%, está nas mãos de pequenas e microempresas.
O estado de São Paulo concentra a maior parte das empresas de produtos de amendoim. Segundo a ABICAB, a concentração é estratégica, uma vez que o estado é grande produtor dos insumos utilizados no setor.
O Brasil é o quinto maior exportador de amendoim no mundo. Em 2018, a exportação do amendoim em grão cresceu 35% em relação a 2017, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, divulgados em artigo publicado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA).
O óleo de amendoim e amendoins preparados e conservados também são exportados, mas em menor escala. Segundo Renata, pesquisadora do IEA, o avanço da produção de soja deslocou a importância do amendoim no mercado de óleos vegetais e o produto em grão e a confeitaria passaram a ser destaque no mercado.
“As exportações representam cerca de 50% a 70% do mercado do amendoim, variação que depende do comportamento da demanda e também da oferta do produto no mundo. O restante é consumido pelo mercado interno”, explica Renata, do IEA.
A Rússia é o principal destino do amendoim em grão com 37% do volume total, seguida da Argélia com 17% e dos Países Baixos (Holanda) com 11%. O óleo de amendoim é exportado para China e Itália. Os amendoins conservados e preparados são exportados principalmente para a Rússia, Ucrânia e Estados Unidos, Chile, Peru, Colômbia e Uruguai.