Solo, clima e pesquisas científicas colocam o estado de São Paulo no topo da lista dos produtores de borracha do país; a variedade da planta mais usada aqui, entretanto, foi desenvolvida na Malásia
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Seringueiras são árvores nativas das Américas, mais especificamente do bioma amazônico. Há registros de que o povo nativo deste continente já usava o látex antes mesmo de o líquido obtido a partir da sangria no tronco das árvores ter esse nome. No começo do século XX, a borracha era chamada de ouro branco no Brasil, tamanha a riqueza que proporcionou aos produtores do norte do país. Até meados do século passado, o Brasil era o maior produtor de borracha do mundo e a produção concentrava-se na região da floresta Amazônica
Atualmente, o estado de São Paulo lidera a produção de borracha brasileira, respondendo por 68,2% do volume produzido (227.163 toneladas), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A variedade da planta mais utilizada nos seringais daqui a RRIM 600, foi desenvolvida no Sudeste Asiático. RRIM é a sigla para Rubber Research Institute of Malaysia. A planta, entretanto, não é nativa daquele lugar que hoje lidera a produção mundial de borracha. Sementes de seringueiras estiveram no centro do mais famoso, e talvez o primeiro, caso de biopirataria do mundo.
Depois de fazer a planta germinar em estufas na Inglaterra, as mudas foram introduzidas nas colônias inglesas que tinham clima mais apropriado. Isto é, a planta que é nativa do Brasil gera mais riquezas no Sudeste Asiático do que aqui. Mais: nos seringais brasileiros, a variação genética considerada de elite é aquela produzida na Malásia.
Biopirataria
O plantio da seringueira deixou de ser exclusivo no Brasil em 1876, quando o botânico inglês Henry Alexander Wickham (1846 – 1928) contrabandeou 70 mil sementes de seringueira do Pará para a Inglaterra. Foi um dos primeiros casos de biopirataria (exploração ou apropriação ilegal de recursos da fauna e da flora) de que se tem notícia no mundo.
As sementes coletadas por Wickham foram enviadas para a Inglaterra e germinaram no Jardim Botânico Real de Kew, em Londres. As poucas mudas obtidas após a germinação foram levadas para a Malásia e deram origem a todas as plantações de seringueira no Sudeste Asiático.
“A Malásia está usando ainda um germoplasma de seringueira que foi levado do Brasil no século XIX”, afirma Anete Pereira de Souza, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora de um estudo que descreveu a diversidade genética da seringueira a partir da análise de mais de mil exemplares da planta disponíveis em bancos públicos de germoplasma na América do Sul, em publicação divulgada na Agência Fapesp (https://agencia.fapesp.br/estudo-possibilita-conhecer-epreservar-diversidade-genetica-da-seringueira/23045/)
A expansão da produção paulista é fruto da combinação de investimento de produtores e do avanço das pesquisas coordenadas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), além das características do solo e do clima. As primeiras mudam foram introduzidas em 1917, pelo fazendeiro José Procópio de Araújo Ferraz, no município de Gavião Peixoto (SP), na região de São Carlos (SP). O bom desenvolvimento dessas árvores em solo paulista e a ausência do fungo Microcyclus ulei, que dizimou o projeto de Henry Ford nos anos 1930, permitiram o plantio extensivo (plantation).
Em 1940, o IAC iniciou a plantação de seringueira nas estações experimentais de Campinas, Ribeirão Preto e Pindorama para certificar o bom desempenho da planta no estado. “A partir da avaliação positiva desses plantios, foi criado o programa de melhoramento genético e pesquisas agronômicas para estimular a produção no território paulista”, diz Roberto Botelho Ferraz Branco, pesquisador científico do Instituto Agronômico (IAC), da Unidade de Ribeirão Preto.
De acordo com Erivaldo José Scaloppi Junior, pesquisador científico do Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais (CSSAF) do IAC, ações estratégicas realizadas na década de 1950, como a introdução de germoplasma nacional e internacional e a introdução de clones elites do Sudeste Asiático, como o RRIM 600 (Rubber Research Institute of Malaysia), combinadas com o trabalho de produtores pioneiros e trabalho de extensão da Secretaria de Agricultura de São Paulo, possibilitaram que São Paulo se tornasse o principal produtor de borracha natural do Brasil.
“Além de possuir solos com fertilidade e constituição físicas adequadas ao cultivo da seringueira. A seca nos meses de julho e agosto, período em que acontece a queda folhas e reenfolhamento, evita o ataque do fungo [Microcyclus ulei] às folhas recém emitidas pela planta, que causa danos irreversíveis e inviabiliza a produção da cultura”, explica Roberto.
305 municípios paulistas cultivam seringueiras em 132.659,12 hectares, sendo que 10% deles somam 50% da área estadual. Segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA), 65% da produção concentra-se nas regiões norte e noroeste do estado, sendo o município de São José do Rio Preto o maior produtor, com 29,7% da oferta, seguido por Votuporanga (12,2%), General Salgado (11,8%), Barretos (11,0%), Fernandópolis (6,3%), Catanduva (5,3%) e Jales (5,0%).
Com o objetivo de produzir látex para a fabricação dos pneus usados nos carros fabricados por sua indústria automobilística, o americano Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, deu início, em 1927, a plantação de seringueiras às margens do rio Tapajós, em uma área no Pará, que recebeu o nome de Fordlândia, distrito que pertence ao município de Aveiro.
A Fordlândia foi uma grande área de terras adquiridas pelo empresário, por meio de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil, por concessão do estado do Pará.
A iniciativa de Henry Ford de produzir borracha na Amazônia brasileira foi surpreendida pela doença do mal das folhas da seringueira, causada pelo fungo Microcyclus ulei, que arruinou as plantações.
Segundo Roberto Botelho Ferraz Branco, pesquisador científico do Instituto Agronômico (IAC), Ford tinha a expectativa de explorar a seringueira em sistema de ‘plantation’, onde se derrubava a mata nativa e se instalava o cultivo da seringueira. “Entretanto, esse sistema altera o equilíbrio ecológico da área, fato que propicia o desenvolvimento e ataque do fungo e inviabiliza a produção, o que não acontece no método de exploração extrativista, onde o seringueiro retira o látex da planta mantendo a mata viva”, explica.
Centro multidisciplinar de seringueira
A importância da heveicultura para o agronegócio e a possibilidade de avanços nas pesquisas científicas impulsionou a criação, em 2014, do Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais (CSSAF) do Instituto Agronômico (IAC), em Votuporanga, único centro multidisciplinar de seringueira do Brasil.
A unidade de Votuporanga já realizava pesquisas com seringueira desde 1980, como uma das Estações Experimentais do IAC. Em 2002, foi elevada à categoria de Polo Regional do Noroeste Paulista, pertencente à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). A unidade possui 30 hectares com seringueira.
O Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais desenvolve pesquisas de melhoramento genético e estudos fitotécnicos para melhoria de rendimento da planta. Também possui o maior banco de germoplasma de seringueira do Brasil, com variedades nacionais de origem amazônica, além de outras desenvolvidas por instituições nacionais e internacionais.
Erivaldo José Scaloppi Junior, pesquisador científico do CSSAF, explica que a obtenção de novos clones é um processo longo, que leva cerca de 30 anos até a recomendação final ao setor produtivo. “O sucesso na obtenção de novos clones se deve a variabilidade genética para que as recombinações possam resultar em clones com expressivo ganho de produção, principalmente vigor, resistência às doenças e demais características secundárias. Para isso, recorre-se ao banco de germoplasma no desenvolvimento do processo de melhoramento genético”, explica.
O IAC já desenvolveu 31 novas variedades de seringueiras, que são disponibilizadas ao setor produtivo por meio do fornecimento de material de propagação com origem genética controlada. Dentre eles, a Série IAC 500, que apresenta produtividade de borracha acima de 70% em relação aos tradicionais clones. “A Série IAC 500 possui clones vigorosos com rápido crescimento, o que permite a antecipação de sangria em até dois anos, em relação à média de sete anos dos seringais. Os clones possuem dupla aptidão, ou seja, potencial para a produção de borracha e madeira”, salienta Erivaldo.
Além de obter novos clones, o programa de melhoramento genético de seringueira do IAC avalia clones oriundos de introdução, provenientes de instituições nacionais e internacionais, que necessitam de validação prévia da produção, adaptação e avaliação de caracteres secundários, para posterior recomendação aos produtores.
Existem ainda trabalhos com seringueira sendo realizados em apoio ao Centro de Seringueira nas estações experimentais de Ribeirão Preto, Pindorama e Colina, onde são avaliados os rendimentos de novos clones desenvolvidos no programa de melhoramento genético em Votuporanga. “A maior importância das pesquisas desenvolvidas pelo IAC está na geração de novos clones de seringueiras, o que garante aumento em produtividade e resistência a doenças com clones modernos disponibilizados ao heveicultor paulista”, explica Roberto, pesquisador científico da Unidade de Ribeirão Preto.
Cultivo
Existem diferenças entre o modo de produção no norte e no sudeste do país. Roberto explica que na Amazônia a produção da seringueira extrativista (seringais nativos) é baseada nas plantas nativas da floresta. “Essas plantas estão naturalmente dispersas de forma aleatória e dessa forma o caminho percorrido pelo seringueiro para realizar a sangria e extração do látex é dentro da selva amazônica. Nesse sistema o rendimento de produção é baixo devido ao número reduzido de plantas exploradas por jornada de trabalho”, argumenta.
Em São Paulo, as seringueiras são cultivas no sistema de ‘plantation’ (seringais de cultivo) no qual as árvores ficam disponíveis para sangria em espaçamento de 8m entre linha e 3m entre plantas, o que facilita a movimentação do serigueiro. “Essa maneira de exploração eleva bastante o rendimento e a produtividade de látex em comparação com o sistema extrativista da Amazônia”, diz Roberto.
Da família das Euphorbiaceae, a seringueira pertence ao gênero Hevea. Das onze espécies, a Hevea brasiliensis é a mais importante do gênero e do ponto de vista comercial. É uma planta perene, com longa vida útil, adaptável a grande parte do território nacional, sendo uma espécie arbórea de rápido crescimento, podendo atingir cerca de 30 metros de altura.
A produção de sementes inicia quatro anos após o plantio e a produção de látex sete anos depois, podendo se prolongar por 30 a 35 anos, com aproveitamento de madeira para processamento mecânico e energia (galhos) ao final deste período. A sangria para a produção da borracha acontece quando 50% das árvores atingem 45 cm de circunferência de tronco a 1,5 m do solo.
Segundo Roberto, dentre as vantagens do cultivo da planta está a estabilidade de produção, em torno de dois mil quilos de borracha ao ano, e a rentabilidade. “É uma cultura com rentabilidade ao longo de todo o ano. A retirada do látex é realizada durante 10 meses, sendo interrompida apenas nos meses de julho e agosto, devido à seca”.
O plantio pode ser feito pelo pequeno e grande produtor e é economicamente vantajoso a partir de 5 hectares. A seringueira pode ser plantada em sistema agroflorestal, em que espécies arbóreas (frutíferas e/ou madeireiras) são combinadas com cultivos agrícolas, como o café, cacau e banana, de forma simultânea ou em sequência temporal, promovendo benefícios econômicos e ecológicos.
O pesquisador aponta como desvantagens da cultura o tempo para o início da produção do látex. “Nesse período o agricultor precisa dispor de investimento para o plantio sem retorno financeiro”, argumenta. O preço da borracha natural praticado atualmente no mercado também é considerado uma desvantagem. “O quilo é cotado a R$ 2,50. Uma boa remuneração seria a partir de R$ 3,00”, destaca.
Marcelo Jamal Pereira é produtor de seringueira em Barretos há 30 anos. As primeiras árvores foram plantadas por seu pai, na década de 1980. Atualmente são 23 mil árvores, em 50 hectares. “A seringueira é uma cultura perene que tem altos e baixos. Já tivemos crises, mas muitas épocas boas”. Segundo ele, as plantações na região diminuíram ao longo dos anos devido à queda no preço do látex.
Para Marcelo, a grande vantagem da cultura é geração de emprego e o impacto social. “A extração do látex é uma atividade exclusivamente manual, gerando muitas oportunidades de trabalho. A cada seis hectares, em média, é preciso de um seringueiro”, argumenta.
Marcelo vende sua produção para usinas de beneficiamento, que transforma os coágulos de látex em GEB (Granulado Escuro Brasileiro), composto 100% de borracha natural. O material é utilizado na indústria pneumática.
Para o futuro, o produtor tem planos de transformar a área de plantio da seringueira em um local de visitação, educação ambiental e cursos de formação de profissionais para sangria.
Produção x importação
A seringueira é a maior fonte de borracha natural do mundo. Cerca de 50 mil produtos são derivados da matéria-prima, principalmente do setor automotivo, médico e de artefatos. Atualmente, 70% da produção total mundial de borracha natural é destinada à fabricação de pneus. Os outros 30% da produção são utilizados pela indústria de artefatos leves.
A borracha natural é o resultado da coagulação do látex da seringueira. “O látex coagulado é destinado à produção de materiais que necessitam de borracha natural em sua composição como solas de sapato, mangueiras de alta pressão, peças de plataforma petrolífera, e principalmente pneus de automóveis (30% da constituição de borracha natural), de caminhões (50% de borracha natural) e aviões (100% de borracha natural)”, diz Roberto, pesquisador científico do IAC.
De acordo com ele, o látex (sem coagular) é destinado à indústria para produção de materiais mais ‘refinados’ como luvas cirúrgicas, preservativos, bicos de mamadeira, entre outros diversos produtos.
O Brasil é o maior produtor de borracha natural da América Latina. Segundo dados do IBGE, na safra 2018/2019, a área destinada para colheita foi de 153.179 hectares e a produção foi de 333.117 toneladas de borracha natural. Os seringais geram cercam de 30,4 mil empregos formais no país, segundo dados da MBAgro, consultoria em agronomia.
O país já foi o maior produtor mundial de borracha natural no final do século XIX, início do século XX. Entre 1870 e 1920, a seringueira foi responsável por 25% das exportações do Brasil. Foi nesse período que o Brasil viveu o Ciclo da Borracha, importante momento histórico impulsionado pela extração de látex e comercialização da borracha e que proporcionou desenvolvimento econômico para a região amazônica.
A partir de 1910, ingleses e holandeses iniciaram a plantação de seringais em larga escala e a preços baixos nos países asiáticos, conquistando rapidamente o mercado mundial. O ciclo brasileiro da borracha entrou em declínio e na década de 1950, o país perdeu posto de maior produtor de borracha e iniciou a importação da matéria-prima. Hoje, os maiores produtores são a Tailândia, Indonésia, Malásia e Vietnã, que concentram 71% da produção mundial.
Atualmente o Brasil representa 1,5% da produção mundial da Hevea brasiliensis, e produz apenas 46% do que consome, sendo necessário a importação de 54% do produto para atender a demanda nacional, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (ABRABOR).