Painel - Asfalto ou paralelepípedo?

22/fev/2023

Não existe o melhor ou o pior, os dois pavimentos têm vantagens e desvantagens e seu uso deve seguir as premissas de cada situação

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O paralelepípedo foi uma das primeiras formas de pavimentação das cidades. Utilizado para calçamentos e arruamentos desde a época do Império Romano, os blocos de rocha apoiados diretamente sobre o solo têm formato mais alongado do que os cubos, daí o nome da figura geométrica paralelepípedo.

Segundo o engenheiro civil Cláudio Santos, docente do curso de Engenharia Civil, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), a vida útil de um pavimento de paralelepípedo, com correta manutenção, pode chegar a milhares de anos. “Podemos observar a durabilidade em obras históricas como a do Coliseu e Praça da Capela Sistina, em Roma”, destaca.

A arquiteta e urbanista Vera Lucia Blat Migliorini, doutora em engenharia e planejamento urbano, argumenta que o paralelepípedo tem papel importante na história. “Caracteriza o início da urbanização de muitas cidades brasileiras que contavam com a mineração do basalto em suas proximidades”.

A pavimentação de vias públicas é um dos principais elementos da oferta da estrutura urbana, na opinião do engenheiro civil Creso de Franco Peixoto, docente do Centro Universitário Moura Lacerda. “A colocação de paralelepípedos trouxe uma superfície, o pó passou a ser algo mais distante das pessoas”, diz.

Mas, o novo pavimento e a facilidade de limpeza não foram suficientes para evitar a busca por superfícies mais regulares. O aumento da velocidade dos veículos introduziu no Brasil a pavimentação asfáltica. “Os veículos passaram a frear e subir rampas com mais facilidade e a circular em velocidades maiores, bem diferente da maneira tranquila em que nossos avós e bisavós circulavam pelas calmas e pacatas cidades”, diz Creso. A pavimentação asfáltica, feita com fina camada de agregados (pedra britada) unida por um ligante derivado da fase densa do petróleo (betume), foi considerada pelos usuários a grande solução.

Asfalto x paralelepípedo
Segundo especialistas, não há pavimento melhor ou pior. “É preciso definir os parâmetros da escolha baseado em premissas de cada situação”, defende o engenheiro civil Anderson Manzoli, coordenador do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário Estácio. De acordo com ele, os principais são o fluxo e tipo de veículo que irá circular na via e a qualidade do sistema de drenagem.

Anderson explica que se o tráfego for de veículos leves e não intenso, o paralelepípedo pode ser mais durável, exigindo menos manutenção. Se o tráfego for de veículos pesados, o paralelepípedo não suportaria as cargas e constantemente precisaria de reparos, tornando a escolha do pavimento asfáltico mais adequada. Em caso de chuva e trânsito intenso de veículos, o asfalto se torna mais seguro por proporcionar mais atrito entre o pneu e o piso, além de melhor rolamento. Também reduz o índice de acidentes, diminuindo custos indiretos.

O paralelepípedo é considerado mais ecológico por permitir a infiltração da água da chuva, possibilitando a recarga do lençol freático, a redução da vazão escoada na superfície do terreno, reduzindo o risco de enchentes, ressalta o engenheiro Cláudio Santos.

“Além disso, facilita a dispersão do calor absorvido ao longo do dia, não irradiando o calor por muito tempo depois do período de insolação, com mais conforto térmico local”. Outras vantagens observadas pelos especialistas são a durabilidade e a facilidade de acesso à rede subterrânea para a manutenção em sistemas de esgoto, água e telefonia.

Dentre as desvantagens dos blocos de rochas, estão a baixa aderência aos pneus e o processo de instalação. “Por ser um processo artesanal exige intensa aplicação de mão de obra e demanda bastante tempo para conclusão”, informa Cláudio.

Ao contrário do paralelepípedo, a instalação é uma das principais vantagens do asfalto. “Esse tipo de pavimento tem rápido processo de instalação, através de rolos compactadores e vibro acabadoras (equipamento que executa a aplicação do asfalto)”, explica Cláudio.

Ele destaca que algumas desvantagens são a impermeabilização do asfalto, que gera o aumento de fluxo de água na superfície e contribui para o risco de enchentes; aumento da ocorrência de defeitos de pavimento; retenção de calor, elevando a temperatura local e reduzindo a vida útil do pavimento.

Há controvérsias: o engenheiro Leandro Aguiar Liberatori, docente no curso de Engenharia da UNIP, argumenta que os paralelepípedos de rocha são tão impermeáveis quanto a massa asfáltica. “As juntas entre os paralelos são preenchidas por mástique, feito por areia ou pó de pedra e asfalto, portanto pouco permeáveis também”, explica. Segundo ele, só é possível afirmar que o paralelepípedo é mais permeável que a massa asfáltica se o paralelo for de concreto, mais poroso e permeável que o asfalto.

Na opinião do engenheiro Creso, em locais de maior risco de alagamento o asfalto é a melhor opção. “A água realmente infiltra através dos blocos de paralelepípedos, mas a superfície abaixo do pavimento é impermeabilizada, então a água filtra pelo paralelepípedo, mas precisa ser levada para caixas laterais. Com o pavimento asfáltico seria possível oferecer mais sistemas de drenagem superficiais para garantir uma drenagem maior”.

As divergências existem até mesmo em relação ao custo de implantação e manutenção de cada pavimento. Cláudio afirma que o pavimento asfáltico é mais barato. Entretanto, considerando os custos de manutenção e vida útil de cada tipo de pavimento, os valores se invertem e o pavimento em paralelepípedos torna-se mais barato.

Diferente do sistema de paralelepípedos, a pavimentação asfáltica exige observação e cuidados contínuos, diz Creso. “No Brasil o asfalto é colocado na via até acabar, tornando o valor da recuperação muito alto. Acredito que a solução seria a aplicação de gerência de pavimentos, que significa acompanhar de forma técnica as pequenas fissuras para saber o momento de selar as trincas, aumentar a vida útil da superfície rodante de forma considerável e reduzir o custo de recapeamento”, diz.

Paralelepípedo: restaurar ou retirar?
Ainda é possível encontrar pelas cidades brasileiras ruas de paralelepípedos que preservam a história. Em Ribeirão Preto, a mais conhecia é a Avenida 9 de Julho, cartão postal da cidade.

A Avenida 9 de julho
Projetada pelo prefeito João Rodrigues Guião e inaugurada em 1922, a Avenida 9 de Julho nasceu com o nome de Avenida Independência. Alguns anos depois, o nome foi alterado para homenagear a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, que eclodiu nesta data – 9 de julho. Segundo a historiadora da arte Maria de Fatima Costa Mattos, pesquisadora do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidade Culturais (IPCCIC), na década de 50, com a eleição do presidente Juscelino Kubitschek e seu slogan “Cinquenta anos em cinco”, o Brasil viveu uma grande mudança. “O surto desenvolvimentista do novo governo, movido pela euforia dos novos hábitos, impulsionou o gosto pelo modo de vida moderno traduzido especialmente pela arquitetura no Brasil, como acontecia no exterior. As novas maneiras de ver e ensinar adotadas pelo Modernismo brasileiro influenciava os jovens recém-saídos das novas faculdades”, relata.

Aarquitetura moderna chegou a Ribeirão Preto na mesma época. “A cidade aproveitou a reação do preço do café, ressurgiu forte e ingressou em um período de prosperidade”, destaca. A Avenida 9 de Julho ganhou belas residências que, entre 1930 a 1960, abrigou a alta sociedade ribeirão-pretana. A partir de 1985 o comércio foi autorizado e as moradias foram sendo adequadas ao crescimento urbano da cidade. Hoje muitas edificações se encontram descaracterizadas ou demolidas. A avenida perdeu sua característica residencial e passou a ser o principal centro financeiro e de prestação de serviços da cidade.

Considerada patrimônio histórico, foi tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) em 2008. Com a decisão, a via de paralelepípedo, as árvores Sibipirunas no canteiro central e o calçamento em mosaico português não podem ser alterados.

Hoje, em alguns trechos da avenida, os blocos de paralelepípedos estão soltos, criando ondulações e dificultando o trajeto dos motoristas e ao longo da calçada é possível encontrar diversos buracos que oferecem risco ao pedestre.

Na opinião do engenheiro Leandro, substituir o pavimento por asfalto seria uma obra cara porque os paralelepípedos teriam que ser retirados para só depois pavimentar com asfalto. “Só jogar asfalto não resolveria, já que a base está danificada”. Para ele, restaurar os paralelepípedos seria mais viável e barato.

A arquiteta e urbanista Vera Lucia defende a manutenção do pavimento e argumenta que o paralelepípedo utiliza matéria prima disponível na região, é permeável (se mantido adequadamente) e termicamente mais apropriado para uma cidade quente como Ribeirão.

“Por outro lado, os paralelepípedos não são adequados para o tráfego intenso de veículos pesados, por isso acho que a Nove de Julho deveria receber um projeto de requalificação que proibisse o tráfego de veículos pesados, substituísse a circulação de ônibus por vans ou micro ônibus, que priorizasse a circulação de pedestres e a mobilidade ativa”, diz.

Para ela, além da discussão da preservação do patrimônio material há também o patrimônio imaterial associado à técnica de aplicação e de manutenção dos paralelepípedos que está se perdendo. “As pessoas que têm esse conhecimento estão morrendo sem transmiti-lo a ninguém. O poder público e nem mesmo os órgãos de preservação do patrimônio histórico e cultural tem tomado iniciativas no sentido de resguardar esse conhecimento”, alerta.

A pesquisadora do IPCCIC Maria de Fátima é contra a descaracterização da avenida. “Embora demande recursos financeiros e mão de obra especializada, refazer a pavimentação e o assentamento dos paralelepípedos, hoje soltos e maltratados, é necessário”, argumenta.

Para o engenheiro Cláudio, o pavimento, construído na época de ouro das Fazendas de Café, faz parte do patrimônio cultural de Ribeirão Preto e da identificação da população com a cidade. “Por mais que este tipo de pavimentação esteja caindo em desuso, e a mão de obra necessária para execução e manutenção torna-se cada vez mais escassa, a Avenida 9 de Julho deve ter sua pavimentação em paralelepípedos mantida e preservada na medida em que é um pavimento ecologicamente correto, de valor cultural à cidade e adequado ao uso atual da via”, alega.

Para Anderson, a escolha não é simples. O paralelepípedo daria um aspecto mais natural, mais belo e preservaria o patrimônio histórico, porém, se for feito um estudo de impacto de trânsito na região, a conclusão seria a redução ou mesmo impedimento do trânsito veículos pesados, única forma de se preservar o piso de paralelepípedo. O especialista acredita que cabe ao poder público fazer antes os estudos para verificar todas as consequências de qualquer decisão em nível de micro e macro impacto de trânsito na região.

“Baseado nos resultados destas simulações, verificaria se é possível desviar a rota de veículos pesados (ônibus e caminhões) e manter os paralelepípedos. Não sendo possível achar rotas alternativas a custos viáveis, a opção seria colocar o asfalto na avenida e garantir o fluxo de todos os veículos de forma mais segura no local”, sugere.

A prefeitura de Ribeirão Preto realiza ações pontuais na avenida que incluem o reparo de vazamentos, assentamento dos paralelepípedos, roçada dos canteiros, limpeza, entre outros trabalhos. Em nota, informou que o Plano de Mobilidade Urbana prevê a revitalização da Avenida 9 de Julho com a remoção dos paralelepípedos e a implantação e/ou correções da drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário e rede de águas de consumo.

A base será substituída por novo sistema de BGS (Brita graduada com cimento) para suporte do rolamento com uma camada de 15 a 20 cm de areia e os paralelepípedos serão recolocados. Paralelamente serão executadas as adequações para acessibilidade e a restauração do canteiro central.

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