Ainda sem as características que já apareciam no modernismo europeu e americano, a arquitetura compareceu timidamente à Semana de Arte Moderna
Pouco mais de oito anos separam a abertura da Semana de Arte Moderna, no Theatro Municipal de São Paulo, da Exposição de uma Casa Modernista, no bairro do Pacaembu, em 24 de março de 1930. O evento, que atraiu personagens ilustres e elegantes da cidade e milhares de visitantes, selava a união da arquitetura com a arte inovadora lançada pelo inquieto grupo que agitou a cena cultural paulistana em fevereiro de 1922.
A residência, assinada pelo ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972), usava técnicas então avançadas, como o concreto armado, e apresentava traços geométricos, num inusitado jogo de planos e volumes inédito no panorama arquitetônico do Brasil. Nos interiores, um conjunto de móveis funcionais e imaginosos, luminárias integradas ao projeto e obras de artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e John Graz, alguns dos organizadores da agora centenária Semana. Mina Klabin, mulher do arquiteto, planejou os jardins.
Em consonância como espírito modernista, ela preferiu plantas locais, como o mandacaru, aos ciprestes e outros exemplares europeus. Um filme raro, recuperado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, disponível na internet, registra a inauguração da mostra, com direito a uma preciosa imagem da presença do líder do movimento modernista, Mário de Andrade.
A exposição na casa da Rua Itápolis, que continua em pé, é um marco da integração da arquitetura com o design e a arte moderna no Brasil. O arquiteto, que chegou ao país em 1923, deu ao movimento modernista de São Paulo uma vertente que não havia na Semana de 22. Não que a arquitetura tivesse sido ignorada: entre as variadas manifestações artísticas reunidas no Theatro Municipal também houve lugar para ela – mas nada que se exibiu há 100 anos no “festival futurista” da Pauliceia se comparava às propostas de Warchavchik.
A arquitetura na Semana
Coube aos hoje pouco conhecidos Antonio Garcia Moya, nascido na Espanha, e Georg Przyrembel, na Polônia, representar o que se considerava “mais atual” em arquitetura. A peça mais bem exposta, colocada no meio do saguão do teatro, era a maquete de um projeto do polonês para uma casa de veraneio de sua família, na Praia Grande, litoral paulista. Chamava-se Taperinha e misturava elementos afrancesados ao estilo colonial brasileiro. Já o espanhol, que veio criança para o Brasil, trabalhou com um tio da pintora Anita Malfatti, tornou-se amigo de Victor Brecheret e foi o ilustrador escolhido por Mário de Andrade para a primeira edição do livro Pauliceia Desvairada. Para a Semana, Moya levou croquis com inclinações geométricas, econômicos em ornamentos, que evocavam construções ibéricas, orientais e pré-colombianas.
Na concepção dos modernistas, os dois simbolizavam um contraponto ao excesso de cópias europeias, ao neoclassicismo e ao ecletismo que proliferavam nas nossas cidades.
Era a arquitetura nova possível naquele momento, num evento que, embora pretendesse romper com o “passadismo”, acabou reunindo, na verdade, produções que nem sempre projetavam o atrevimento vanguardista.
Impulso decisivo
Esse caráter até certo ponto precário e hesitante da Semana já foi apontado por estudiosos, e tem sido lembrado por críticos para sugerir que ela não passou de uma espécie de fraude, cultuada para embelezar e enaltecer a história cultural paulista. Um exagero. É verdade que a Semana não foi, como pode parecer aos desavisados, um big bang do modernismo no país, aquele momento em que, do nada, tudo repentinamente passa a existir sob a magnífica orquestração do espírito renovador paulista.
Manifestações semelhantes ocorriam em outras cidades brasileiras e, afinal, salvo a criação divina, nada se faz assim em apenas sete dias. Mas essa fantasia esteve presente na idealização e organização do grande sarau de 1922, naquele tempo em que a chamada Metrópole do Café contava com menos de 600 mil habitantes e tentava desafiar o lugar então incontestável do Rio de Janeiro como nosso maior centro cultural e cosmopolita.
A Semana foi, em muitos aspectos, uma tentativa de São Paulo, no ano do Centenário da Independência, se firmar como novo polo de irradiação cultural. Um brado do Ipiranga no terreno das artes, que explicitava a ambição paulista de exercer um papel de protagonista na atualização estética do Brasil. Tudo somado, o grupo de 22, ou ao menos parte dele, mostrou-se nos anos seguintes muito fértil em sugestões e relevante em obras – e nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral tornaram-se referências marcantes da arte nacional no século 20.
Quanto à arquitetura moderna brasileira, provou-se, como se sabe, de uma força irrefutável e ganhou justa consagração internacional – com representantes como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Paulo Mendes da Rocha e outros tantos. Ainda que não deva seu desenvolvimento ao movimento deflagrado pela Semana, a modernização da arquitetura no Brasil certamente se beneficiou daquele impulso. Contou com a contribuição de Warchavchik, atraiu a colaboração de artistas como Portinari e Di Cavalcanti e foi tocada pelas utopias e pela liberdade de experimentação já presentes no programa modernista de 22.